Acorda, amor.

Havia muita claridade naquele quarto. Os olhos estavam mais pesados que o de costume. 
Ficar ali, horizontal, seria mais simples.
Quando os pés pressionaram o chão, foi preciso mais força pra não cair. Então, pausei.
Fitei as paredes e me perguntei qual a razão do cotidiano se iniciar com tanta dificuldade hoje.
Olhei os papéis ao redor, os lençóis mais bagunçados que o normal, o travesseiro recém afastado dos meus braços...
Ainda hesitando, levantei e fui ao espelho. Lá entendi o que acontecera. 
Meus olhos, a cama, os papéis, o travesseiro...
Peguei no sono em algum momento da madrugada. Exausta do sentimento de indiferença, dormi.
Amanheci a mesma. Menos consciente. Mais exausta.


E se?

Se eu só gostasse?
Amando como antes talvez fosse fácil.
Amando como antes as coisas seriam simples.
Amando como antes teríamos prazo de validade.
Então, não.

Se eu calasse?
Silêncio era suficiente pra conquistar a voz do outro.
Silenciando como antes o telefone tocaria mais.
Silenciando como antes já teríamos nos calado pra sempre.
Então, não.

Se eu não cedesse?
Estando certa como antes eles viriam aos montes, fariam fila
em minha porta e eu ganharia rosas, chocolates e corações.
Estando certa como antes os desejos cessariam nos primeiros meses.
Certa, eu que iria embora.
Então, não.

Nunca houve amor ou o silêncio da sagacidade sequer a razão dos corretos.

É o que basta.

Basta uma gotinha percorrer o meu rosto, sentir aquele gostinho salgado e suspirar pra inspiração invadir. Seria, então, a oportunidade de deixar fluir o que se sente ou o magnífico espetáculo do acaso se confirmando em palavras? De qualquer forma, com qualquer nome isso é o que basta.